Na obra a Economia da idade da pedra, Marshall Sahlins (1972) afirma que é
conveniente a ideia de uma vida muito dura no paleolítico, levando a imaginar como os
caçadores-coletores conseguiam viver, já que mesmo em momento de abundância
viviam assustados pelo fantasma da fome. Caçadores-coletores são pobres quando
olhamos com nossos olhos. Assim, acredita-se que, por não ter tecnologia
desenvolvida precisa desempenhar um esforço contínuo de trabalho pela
sobrevivência, não tem competência técnica, não tem descanso, nem lazer, nem
tempo para construir cultura. Não tem excedente. O desenvolvimento econômico é
classificado como economia de subsistência.
Mas para este antropólogo, na verdade, examinada de perto, a sociedade de
caça/coleta é a primeira sociedade da afluência. O que, segundo ele, paradoxalmente,
leva a outra conclusão útil e inesperada. Pelo senso comum, uma sociedade afluente
é aquela em que se tem todas as vontades materiais facilmente satisfeitas. Entretanto,
há duas formas possíveis de afluência. As necessidades podem ser facilmente
satisfeitas, seja produzindo muito, seja desejando pouco.
Porém, mesmo baseado em concepções etnocêntricas e errôneas, era
conveniente e necessário fazer acreditar que a partir do neolítico tudo estava melhor,
que agricultores e criadores de animais trabalhavam menos do que caçadores-
coletores. Que tinham mera economia de subsistência, lazer limitado, viviam numa
busca incessante por comida, tinham recursos naturais pobres, ausência de excedente
econômico. Sahlins enfatiza que a opinião media antropológica sobre caça e coleta
que foi disseminada no mundo constituem o que é chamado de preconceito neolítico.
São estas crenças que permitem inquerir: “como alguém pode viver num lugar como
esse?”
O etnocentrismo pode ser evidenciado na história da civilização do
Brasil. Quando iniciou o domínio português nestas terras encontraram uma
população que tinha um modelo civilizatório já constituído. Porém, os
portugueses trouxeram consigo seu modelo de civilização, que por ser
demasiadamente diferente do que encontraram e por estarem arraigados pelo
ideal colonialista, julgaram que os índios não eram civilizados. Foram
classificados como um povo sem fé, sem lei e sem rei, como classificou Pedro
de Magalhães Gandavo. Embora tivessem língua própria, religião, cultura e
economia, embora respeitassem a natureza e seus semelhantes, inclusive as
gerações seguintes, analisando o impacto que suas ações causariam aos que
viriam depois os nativos foram classificados como não civilizados. Este é o
maior exemplo de modelo civilizatório que se pode ter e que se perdeu nestes
cinco séculos de (des) civilização.
SAHLINS, Marshall. Stone Age Economics. Chicago: Aldine. 1972