A destituição do poder da família e da comunidade
O professor de História israelense e autor do best-seller internacional Sapiens: Uma breve história da humanidade, Yuval Harari apresenta uma interessante reflexão sobre o motivo do poder da família e da comunidade estar enfraquecido.
Para ele, hoje os indivíduos estão cada vez mais sujeitos aos ditames dos governos e das indústrias modernas. A Revolução Industrial abriu caminho para uma longa linha de experimentos em engenharia social e uma série ainda mais longa de transformações imprevistas na vida cotidiana e na mentalidade humana. Ela provocou dezenas de reviravoltas importantes na sociedade. Sendo que a revolução social mais grandiosa e impactante que já atingiu a humanidade: O colapso da família e da comunidade local e sua substituição pelo Estado e pelo mercado.
Desde que o mundo é mundo, pelo menos há mais de 1 milhão de anos, os humanos viviam em pequenas comunidades íntimas, em que quase todos os membros eram parentes. Nem a Revolução Cognitiva, nem mesmo a Revolução Neolítica, que remodelou todo o modo de viver mudou isso. Em pouco mais de dois séculos a Revolução Industrial conseguiu acabar com essa forma de organização, retirando a maior parte das funções tradicionais das famílias e comunidades e entregando para os Estados e os mercados.
Harari lembra que antes da Revolução Industrial, a vida cotidiana da maioria dos humanos seguia seu curso no interior destas três estruturas: a família nuclear, a família estendida e a comunidade íntima local. Tudo isso mudou radicalmente nos últimos dois séculos.
O mercado e o Estado logo viram que seu caminho estava bloqueado por famílias e comunidades tradicionais que não curtiam muito que viessem meter o bedelho nas decisões delas. Os velhos da família e da comunidade relutavam em deixar a geração mais jovem ser doutrinada. Com o tempo, os Estados e os mercados passaram a usar seu poder crescente para enfraquecer os vínculos tradicionais da família e da comunidade.
Quanto mais a sociedade vai se industrializando mais estes vínculos vão sendo enfraquecidos.
Segundo Harari, para acabar com o poder da família e da comunidade o Estado e o mercado abordaram as pessoas com uma oferta que não podia ser recusada. “Tornem-se indivíduos”, eles disseram. Vivam como desejarem. Vocês já não dependem da família ou da comunidade. Nós, o Estado e o mercado, tomaremos conta de vocês”. O Estado e o mercado são a mãe e o pai do indivíduo, e o indivíduo só pode sobreviver graças a eles. (2015, p. 369)
A família nuclear desempenha papéis políticos e econômicos e funções emocionais importantes. A perda de famílias e comunidades fortes faz com que nos sintamos alienados e ameaçados pelo poder que o Estado e o mercado impessoais exercem sobre nossa vida.
Estados e mercados compostos de indivíduos alienados podem intervir muito mais facilmente na vida de seus membros do que Estados e mercados compostos de famílias e comunidades fortes. O Estado e o mercado pintam e bordam. Mas isso é mais evidente onde existe pouca cultura de associativismo. Onde a comunidade não consegue se unir para reivindicar e resistir. Milhões de anos de evolução nos projetaram para viver e pensar como membros de uma comunidade; em apenas dois séculos, nos tornamos indivíduos alienados. Os Estados e os mercados destituíram a família da maioria de seus papéis políticos e econômicos, deixaram algumas funções emocionais.
Penso que temos que discutir meios de fortalecer estas estruturas antigas: a família e a comunidade íntima local para fazer frente aos ditames do poder estabelecido.
HARARI, Yuval Noah. Sapiens – uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2015.